Abusos de Flanelinhas no Rio: Cobranças de R$ 50 e Agressões Próximas a Pontos Turísticos
- sellsmartdigitalrj
- há 1 dia
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Práticas ilegais ocorrem perto de praias e estádios; caso de violência foi registrado na Barra.

Todos os dias, a estudante de Direito Bianca Montenegro, de 19 anos, estaciona o carro na rua em frente à faculdade, na Barra da Tijuca, e caminha alguns metros até o prédio onde tem aulas. Na última terça-feira, no entanto, a rotina foi interrompida pela abordagem de um homem que exigiu R$ 20 para vigiar o veículo da jovem, cena recorrente na cidade. Ao perceber que ele não estava identificado, Bianca recusou a oferta e seguiu para o curso.
Ao retornar, cerca de três horas depois, ela não imaginava que o encontro com o homem se transformaria em caso de polícia. Segundo a estudante, assim que se aproximou do carro, foi ameaçada, empurrada e teve a porta do veículo chutada pelo agressor.
— Ele disse que tinha tirado foto do meu rosto, do carro e da placa. Falou que eu estava proibida de parar ali, e se voltasse ele me encheria de porrada. Tenho certeza que ele não me agrediu porque entrei rápido no carro e tranquei a porta, mas fiquei muito assustada — contou.
Sem solução à vista
Segundo a universitária, foi naquela hora que a amiga começou a filmar o que acontecia, e o homem se irritou e chutou a porta do veículo até amassar. A estudante conta que, em todo momento, ele fazia ameaças e a xingava.
— O homem ficava me ameaçando, falando que ia me bater se eu não desse o dinheiro para ele. Que eu não podia mais parar lá, como se ele fosse o dono da rua. Agora, eu tenho medo de ir para a faculdade — lamenta.
A situação vivida por Bianca expõe um problema que está longe de ser novo: a baderna de cobrança irregular para estacionar nas ruas da cidade. E, apesar de a prefeitura já ter divulgado alguns planos para organizar e acabar com a farra dos flanelinhas clandestinos, eles não foram para frente. Atualmente, o governo não tem qualquer projeto para resolver o problema.
As extorsões a motoristas são mais frequentes na hora do lazer. Ir a Grumari e à Prainha, paraísos à beira-mar na Zona Oeste, pode custar caro. Misturados a guardadores com crachá e uniforme, pelo menos dez flanelinhas sem qualquer tipo de identificação atuam livremente neste trecho da orla nos fins de semana. Eles usam maquininhas de cartão e aceitam Pix, cobrando de R$ 15 a R$ 50, dependendo do perfil do motorista. No Recreio, bem perto dali, a farra é nas ruas internas, onde preços bem parecidos são cobrados. Na Zona Sul, o valor pode chegar a até R$ 100, se o motorista for um turista.

— Quanto mais o motorista tem cara de turista, mais caro ele tem que pagar. Os flanelinhas sabem identificar quem pode pagar mais. Já vi gente perdendo R$ 50 na mão deles — relatou um frequentador da Prainha.
No entorno do Estádio Nilton Santos, no Engenho de Dentro, torcedores não escapam dos flanelinhas irregulares, que disputam espaço nas ruas. Na última terça-feira, antes da partida entre Botafogo e Carabobo, pela Libertadores, eles entravam na frente dos veículos para atrair motoristas na Rua Dona Eugênia, uma das que dão acesso ao estádio, e cobravam valores aleatórios, decididos na hora de acordo com o freguês.
Numa abordagem invasiva, um dos flanelinhas descaracterizados chegou a dizer que estacionar com ele não teria “problema”, e que, por mais que não trabalhasse com talão oficial da prefeitura, o motorista poderia confiar que a fiscalização não “pegaria”.
— Consigo uma vaga para você aqui agora, coloco até um cone para você, me paga R$ 50, não tem erro, não — disse o flanelinha.
Frente à recusa, ele chegou a baixar a cobrança para R$ 30. A proposta de reservar a vaga com um cone foi feita bem em frente a uma viatura da Polícia Militar do Rio, sob o olhar de dois agentes.
— Faço por R$ 40 para você, sem erro. Pode passar fiscalização que não dá em nada — afirmou outro flanelinha, vestindo um colete verde fluorescente.
Depois deles, mais seis flanelinhas se colocaram na frente do carro, cada um oferecendo uma vaga na rua por um preço diferente. O mesmo acontecia nesta quarta-feira no entorno do Maracanã, onde jogaram Flamengo e Central Córdoba, também pela Libertadores. Os flanelinhas iam buscar os motoristas no meio do trânsito, se arriscando entre os carros. A maioria oferecia vagas em áreas proibidas.
Mais de 5 mil abordagens
O serviço 1746, canal de reclamações da prefeitura, não tem um campo específico para as denúncias de flanelinhas irregulares. Os casos que chegam são classificadas como problemas de estacionamento. Segundo o secretário municipal de Ordem Pública, Brenno Carnevale, no entanto, a fiscalização dessas abordagens faz parte da rotina da pasta.
— A cobrança indevida por estacionamento tangencia a administração pública. Atuamos com ações preventivas em locais com muitas denúncias e também fiscalizando as áreas com grande fluxo de pessoas. Só no último ano e no primeiro trimestre de 2025, abordamos mais de cinco mil pessoas atuando como flanelinhas. Dessas, 57 foram encaminhadas às delegacias — afirma.
A abordagem feita pelo flanelinha é classificada como crime de extorsão quando há ameaça ou violência durante a cobrança. Nesses casos, é fundamental que a vítima vá a uma delegacia, como fez Bianca — a 16ª DP (Barra da Tijuca) informou que investiga o caso e tenta identificar o autor.
A Seop esclarece que a cobrança nas ruas só deve acontecer onde tem placa da CET-Rio indicando os horários e o valor da cobrança, e com o uso de talão. A taxa é de R$ 2 por período, e os guardadores que vendem os bilhetes são regulados pelo sindicado da categoria. Em nota, a PM informou que atua ostensivamente e que, em caso de flagrante, encaminha os envolvidos para a delegacia.
Problema com estacionamento rotativo se arrasta há anos no Rio
Diferentes medidas do município tentaram colocar ordem nos estacionamentos nas ruas.
Nos anos 1990, surgiram o Vaga Certa e o Período Único, sistemas já extintos, assim como o Rio Rotativo, ainda em vigor.
Em 2004, o preenchimento dos tíquetes passou a ser feito pelos motoristas.
Após problemas na fiscalização, o então prefeito Cesar Maia fez uma licitação, em 2008, quando foi assinado um contrato com o consórcio Embrapark, para explorar vagas em oito bairros da Zona Sul (chamada área azul).
O Tribunal de Contas do Município chegou a suspender a operação da área azul, mas a Embrapark reassumiu em maio de 2009.
Em seu primeiro mandato como prefeito, Eduardo Paes chegou a ameaçar romper o contrato com a Embrapark, que só foi encerrado em 2014. Naquele ano, a prefeitura prometeu instalar parquímetros pela cidade, mas o edital não foi adiante.
Marcelo Crivella também cogitou o uso de parquímetros, mas revogou o decreto que previa o sistema em 2019.
Um bom exemplo vem de Niterói, onde uma concessão foi firmada na década de 1990. Hoje, o estacionamento por duas horas custa R$ 5, mas passará a R$ 4 a partir de 1º de maio. O pagamento pode ser feito pelo app da concessionária Niterói Rotativo ou diretamente a agentes contratados pela empresa. Flanelinhas não são permitidos.
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