Camelódromo da Uruguaiana: Investigação Aponta Envolvimento do Crime Organizado
- sellsmartdigitalrj
- 14 de jan.
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Ex-presidentes assassinados e cobrança de taxas ilegais reforçam suspeitas sobre atividades criminosas no mercado incendiado.

Um terço do camelódromo da Uruguaiana, no Centro, foi destruído pelo fogo — Foto: Leo Martins/12-01-2025
A atuação do crime organizado é um dos maiores entraves para o poder público no camelódromo da Uruguaiana, que pegou fogo neste domingo. Investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio (MPRJ) mostraram, ao longo das últimas três décadas, que organizações criminosas integradas por agentes públicos disputam à bala o controle do local, extorquem dinheiro dos comerciantes e corrompem policiais e guardas municipais para venderem produtos roubados ou falsificados sem serem incomodados. No período, dois ex-presidentes da associação de comerciantes que controla o camelódromo foram executados a tiros, dirigentes do local chegaram a ser presos numa operação sob acusação de cobrarem taxas dos comerciantes e seguidas operações culminaram em apreensões de produtos ilegais nos boxes.
Apesar das ações, a presença do crime persiste. Ao ponto de, no ano passado, o secretário municipal de Ordem Pública (Seop), Brenno Carnevale, afirmar que havia "uma verdadeira atividade da milícia no asfalto" no camelódromo. A frase foi dita após agentes da secretaria descobrirem, depois de passarem três dias circulando pela região, que ambulantes eram obrigados a pagar até R$ 100 por semana para poderem vender mercadorias no local.
Em 2019, oito pessoas foram denunciadas à Justiça por integrarem uma quadrilha que cobrava taxas dos comerciantes. Na ocasião, o MPRJ constatou que "organizações criminosas rivais se revezam na administração da associação comercial que cuida do Mercado Popular da Uruguaiana, com a ativa participação de agentes públicos, sempre objetivando fins espúrios e colocando em risco não só os comerciantes como os frequentadores do local haja vista o crescimento desordenado e sem controle dos boxes permissionários", segundo a denúncia recebida pela Justiça. Dois ex-presidentes da associação chegaram a virar réus, mas foram absolvidos ao fim do processo.
A investigação também identificou Sidney Nascimento dos Santos, o Grande, como chefe da segurança do camelódromo. Em 2016, ele foi condenado após ser preso na região portando um revólver calibre 38 em um coldre oculto no tornozelo.
A denúncia do MPRJ também apontou, à época, que operação, batizada de "Camelus", seria "apenas o primeiro passo para identificação e responsabilização da alta cúpula da organização criminosa, inexoravelmente composta por agentes públicos ainda não identificados que, por ação ou deliberada omissão, promoveram a proliferação do crime e o caos organizacional na localidade". Até hoje, nenhuma nova operação foi feita contra grupos criminosos que dominam a região.
Também não foram à frente as investigações dos assassinatos de dois ex-presidentes do camelódromo. Em maio de 2007, Alexandre Farias Pereira, que chefiava a associação na época, foi executado a tiros em Duque de Caxias, na Região Metropolitana. Ele trafegava com seu carro pela Avenida Brigadeiro Lima e Silva quando homens em outro veículo passaram atirando.
A apuração do caso até hoje não foi concluída, mas uma nova prova deu fôlego à investigação. Na casa de Ronnie Lessa, ex-PM condenado pelo homicídio de Marielle Franco, a polícia apreendeu o depoimento em que o filho da vítima expunha à Polícia Civil a guerra pelo domínio do mercado popular. Grampeado ao relato, havia um bilhete com os dizeres “Periquito mandou sarquear” — expressão que, no jargão policial, quer dizer pesquisar, levantar informações. “Periquito”, segundo o MPRJ, é o apelido de um suspeito de ser mandante do crime, que disputava com a vítima o controle do camelódromo. Lessa nunca explicou como e por que teve acesso ao depoimento sigiloso.
Já em 2014, outro presidente da associação comercial, Jorge Luiz Nepomuceno de Souza, foi assassinado a tiros em Campo Grande, na Zona Oeste, quando voltava de um pagode no Centro do Rio. O modus operandi foi idêntico ao do crime que vitimou Alexandre Pereira: os atiradores atacaram o carro do dirigente a tiros. Souza já tinha sido alvo de uma denúncia do MPRJ, em 2011, junto com outras três pessoas, por extorquir dinheiro de comerciantes da Uruguaiana. Assim como no caso de 2019, o processo também culminou com os réus absolvidos, após testemunhas voltarem atrás de seus depoimentos.
Em 2015, o camelódromo da Uruguaiana chegou a ser fechado após cerca de 3 toneladas de mercadorias falsificadas e roubadas serem apreendidas na Operação Jericho, da Polícia Civil. A região é apontada como um dos maiores polos de receptação de produtos roubados do Rio. De lá para cá, anualmente, ações da polícia culminam em apreensões em boxes da região. Em março do ano passado, por exemplo, 600 celulares roubados foram apreendidos pela PM num único box.
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