top of page

Cracolândias crescendo na Zona Norte do Rio e desafiando a segurança pública

O aumento do tráfico e consumo de drogas preocupa a população, enquanto o policiamento mostra poucos resultados.


Usuários de crack vivem em barracas improvisadas com tapumes e plásticos junto ao muro do metrô na Rua Visconde de Niterói, na Mangueira — Foto: Fabiano Rocha
Usuários de crack vivem em barracas improvisadas com tapumes e plásticos junto ao muro do metrô na Rua Visconde de Niterói, na Mangueira — Foto: Fabiano Rocha

Na Avenida Bartolomeu de Gusmão, próximo à entrada da estação Maracanã do metrô, o cenário é desolador. Às 10h20, um homem com o olhar perdido caminha descalço pela pista, desviando-se dos carros, que buzinam. Ao lado, já na calçada, outro homem monta uma barraca improvisada com plástico e pedaços de madeira, colocando à venda cachaça, cigarros e até copos vazios, oferecidos para que os usuários façam uso de drogas. Uma fila de pessoas em situação de rua se forma à espera da abertura da banca. As marcas de um incêndio recente ainda persistem no muro próximo ao ponto de ônibus, evidência de objetos queimados durante a madrugada. Neste cenário, pedestres apressam o passo, enquanto outros desistem de esperar o transporte público por medo.


Essas cenas não são exceção, mas o retrato diário de uma triste rotina no Maracanã, na Mangueira, em Benfica, lugares que têm sido cenário de uma crescente ocupação por usuários de drogas que se reúnem em cracolândias. A Avenida Visconde de Niterói, importante via que corta estes bairros, tornou-se ponto crítico. Barracas feitas de tapumes ocupam parte das calçadas e, em alguns casos, até a pista, atrapalhando o trânsito e colocando pedestres e motoristas em risco constante.


— Foi por pouco que não atropelei um homem outro dia. Ele simplesmente surgiu na frente do carro, cambaleando — relata o motorista Marcos Souza, de 45 anos. — Eu ainda buzinei e ele se virou com uma garrafa na mão, gritando. O trânsito está um caos, e ainda temos que lidar com isso.


Abordagens agressivas

As complicações vão além do tráfego. Muitos motoristas relatam tentativas de abordagem agressivas por parte dos usuários de drogas. Juliana Campos, motorista de aplicativo, recorda uma situação angustiante que sofreu ao passar pelo Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, na Mangueira:

— Outro dia, uma mulher entrou no meu carro à força enquanto eu esperava o sinal abrir. Ela estava em surto, segurando um copo e um isqueiro, e ameaçava me bater. Eu tive que arrancar com o carro. Era por volta de 19h e não havia policiamento.


Ao lado da cracolândia, funciona um ponto de apoio do Programa de Acompanhamento de Rua (PAR). Mesmo com a presença de agentes da prefeitura, a situação parece fora de controle. O crescimento desordenado dos usuários de drogas transformou essas regiões em zonas de medo e insegurança. Comerciantes têm registrado prejuízos, e muitas pessoas desistiram de circular pelos bairros.


— Parece que a gente foi esquecido aqui. O poder público só aparece para limpar depois de uma confusão grande — desabafa a comerciante Andreia Ferreira.

O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, faz críticas à falta de ação eficaz no combate ao tráfico de crack na cidade, destacando o impacto devastador da droga sobre a população em situação de rua e dependente química.


— Os pontos de venda de crack não recebem a repressão necessária. Há muita gente ganhando dinheiro com isso — diz o secretário, lembrando que o crack não é produzido no Rio, mas chega à cidade por rotas de tráfico já conhecidas pela polícia. — Não adianta prender o pequeno traficante se não houver inteligência policial para investigar como a droga chega ao Rio. É uma situação grave e muito crítica. Tem que ter um trabalho de prevenção da venda da droga porque, senão, o sistema de saúde não vai conseguir dar conta.


De acordo com fontes da polícia, muitos usuários compram as drogas a preços baixos — o crack pode ser adquirido por R$ 5 na Mangueira. Para sustentar o vício, muitas pessoas recorrem a furtos, roubos e até a troca de materiais de valor (como fios de cobre) por entorpecentes. Esse ciclo alimenta a insegurança e torna as regiões ainda mais perigosas para moradores e trabalhadores.


— Está cada vez mais difícil morar aqui. Temos que lidar com a violência e o abuso dos traficantes e também dessas pessoas que ficam alucinadas com a droga. Todos os dias desço a Mangueira para levar meu filho à escola e espero no ponto ao lado do metrô do Maracanã com apreensão. Uma vez, um deles chegou a jogar pedra na gente porque nos recusamos a dar dinheiro. Foi horrível — conta uma moradora.


Em Benfica, o cenário é igualmente inquietante. Perto do muro da Rio Luz, que fica próximo ao Mercado Municipal do Rio (Cadeg), os usuários de drogas se aglomeram entre pilhas de lixo e fogueiras. Eles montaram uma cracolândia em meio a lava-jatos irregulares, tornando a área praticamente intransitável. Funcionários da Comlurb e da Prefeitura são obrigados a transitar pelo local, muitas vezes sem poder fazer nada diante do ambiente hostil.


— Trabalho varrendo as ruas há mais de 20 anos. Posso afirmar com certeza que o avanço das cracolândias tem atrapalhado nosso trabalho. A gente junta o lixo, mas os usuários desesperados por dinheiro e com fome vêm e espalham tudo. Isso é ruim para a gente, mas também para quem mora na região, que não pode fazer nada. É um ciclo que só piora — queixa-se um funcionário da limpeza que prefere não se identificar.


A aposentada Maria Helena, de 62 anos, concorda. Ela, que vive na região há mais de três décadas, agora pensa em se mudar.


— Aqui sempre teve seus problemas, mas nunca como agora. É um pesadelo diário. Quando saio para caminhar, tenho que mudar de calçada para evitar confusão. Fora o cheiro horrível de queimado e o lixo espalhado — reclama.


Rondas constantes

Em nota, a Polícia Civil afirmou que “a instituição atua de forma integrada com a Polícia Militar, responsável pelo policiamento ostensivo, para reprimir essa atividade criminosa, bem como outros delitos diretamente relacionados”. E que “as delegacias realizam ações contínuas para identificar e responsabilizar os envolvidos nas práticas criminosas”.


Já a Polícia Militar alegou que o comando do 4°BPM (São Cristóvão) faz patrulhamento ostensivo em toda a região de Benfica e do Maracanã, incluindo a Avenida Visconde de Niterói e os demais pontos citados: “As ações de policiamento são executadas por meio de rondas constantes e presença estratégica de equipes, buscando coibir crimes e garantir a segurança da população”.


No caso específico das aglomerações de usuários de drogas em áreas públicas, a PM informou que a atuação do batalhão segue as diretrizes legais, priorizando a preservação da ordem pública e a segurança dos cidadãos. E argumentou que “a questão do uso de substâncias ilícitas em espaços urbanos envolve múltiplas esferas de responsabilidade, incluindo órgãos de saúde, assistência social e Prefeitura”.


A Prefeitura lançou, em dezembro de 2023, o programa Seguir em Frente, para acolher e criar condições de ressocialização a pessoas em situação de rua. Segundo o município, o programa já chegou a 4.637 beneficiados.


Comentários


bottom of page