Especialistas cobram transparência em acordo Brasil-EUA contra facção criminosa
- Paulo Machado
- 25 de fev.
- 3 min de leitura
Parceria entre os países visa combater tráfico de drogas, mas gera questionamentos sobre detalhes da operação.

Um acordo de combate ao Comando Vermelho, entre o Governo do Rio e autoridades dos Estados Unidos, prevê o reconhecimento da facção como organização criminosa internacional. Essa nomenclatura permite a cooperação entre ambos em investigações no território americano, que já pode ter a presença desses traficantes no comércio de drogas. Para especialistas ouvidos pelo EXTRA, o trabalho em conjunto é importante, mas deve ser feito com cautela.
Os especialistas destacam que desde o rompimento do CV com o Primeiro Comando da Capital (PCC), em 2016, houve uma expansão do primeiro nas rotas de tráfico de drogas, principalmente a do Rio Solimões. Desde então, a facção tem estabelecido relações com países andinos, como a Colômbia, para o transporte e venda de entorpecentes, em especial, a cocaína.
Esse cenário é o que pauta parte do acordo a ser firmado entre o Rio e os EUA, ao qual o EXTRA teve acesso com exclusividade. Nele, há a informação de que traficantes do CV estariam se unindo a criminosos de cartéis da América do Sul para levar drogas para os Estados Unidos.
— A ligação do CV e do PCC com grupos criminosos de outros países já é bastante conhecida, e sabe-se que, desde o rompimento entre ambos, o CV tem ampliado atuação no mercado internacional. As ligações com grupos de outros países acaba sendo importante porque é o contato que permite a logística. No caso dos Estados Unidos, os acordos são feitos com os cartéis mexicanos, dominantes por lá — explica o professor Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Para o especialista, a cooperação entre os governos do Rio e dos EUA precisa ser explicada de forma mais detalhada, visando à clareza de objetivos e de decisões:
— Esse acordo precisa destacar bem quais são as atuações do CV fora do Brasil, porque considerá-lo o maior exportador de drogas é ir contra o que se sabe sobre a atuação de grupos estrangeiros. O CV está longe de ocupar esse posto. Se as organizações são transnacionais, os acordos também precisam ser. Então, é importante que essa cooperação exista, só temos que nos atentar para que essa seja parte da solução, e não do problema.
De pensamento semelhante, Roberto Uchoa, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pontua que a participação dos EUA no combate ao tráfico brasileiro pode ser mais efetivo por meio do controle de armas:
— A princípio, ainda não vejo ganhos para o estado do Rio ou para o Brasil com essa mudança de reclassificação do CV pelos EUA. Me parece mais efetivo uma contribuição norte-americana no combate ao tráfico de armas por aqui, já que boa parte do que é apreendido foi fabricado por lá. A relação pode ser efetiva se priorizar a troca de informações e de inteligência, mas isso a gente só vai saber se houver transparência nessa colaboração.
Além disso, destaca que o Brasil tem expertise suficiente para combater o tráfico e atuação de facções nacionais em outros países:
— O Brasil tem formas e expertise no combate ao tráfico, mas as decisões políticas atrapalham. Os EUA não conseguiram diminuir nem a participação dos cartéis mexicanos no país, como podem ajudar o Brasil nesse combate? Até porque nosso problema é além do tráfico de drogas, envolve gatos de energia, de água, cobrança de taxas, lavagem de dinheiro.
Acordo de cooperação
Documentos obtidos pelo EXTRA mostram que um dos órgãos do governo dos EUA já envolvidos na negociação é o Serviço de Segurança Diplomática (DSS, na sigla em inglês). Subordinado ao Departamento de Estado americano, ele tem entre suas atribuições o combate ao crime fora das fronteiras dos Estados Unidos.
A cooperação, que vem sendo costurada entre o governo do estado e o Consulado americano no Rio desde junho do ano passado, é baseada em indícios de que o CV está recrutando comparsas dentro dos EUA, e em informações de inteligência mostrando que traficantes do Comando Vermelho se uniram a criminosos de cartéis da América do Sul e estão levando drogas para os Estados Unidos.
Reconhecer o CV como uma Organização Criminosa Transnacional (TCO, na sigla em inglês) permitirá que outras agências do governo americano também combatam a facção, como a Drug Enforcement Administration (DEA) e a Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF).
De acordo com o documento, a cooperação, uma vez assinada, valerá por quatro anos (48 meses), sendo revisada anualmente.
Procurado, o Consulado dos Estados Unidos no Rio não se pronunciou sobre a negociação do acordo.
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