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Jaé Autoriza Cobertura de Câmeras em Favelas para Garantir Proteção a Motoristas de Vans

Medida foi tomada para evitar represálias de traficantes contra operadores de validadores de passagens.


Câmeras dos validadores são cobertas por adesivo
Câmeras dos validadores são cobertas por adesivo

A Prefeitura do Rio liberou motoristas de Kombis (cabritinhos) e vans legalizadas, que circulam por favelas, da obrigatoriedade de usar o sistema de controle de biometria facial implantado para evitar o uso indevido de cartões de gratuidades de idosos e estudantes. O motivo: os operadores temiam ser alvo de represálias dos traficantes que não queriam ser filmados e identificados pelo Jaé, novo sistema de bilhetagem digital da cidade. A autorização partiu do prefeito Eduardo Paes e da secretária municipal de Transportes, Maína Celidonio, após reuniões com motoristas, como mostra um vídeo ao qual o EXTRA teve acesso.


— A gente pode fazer muito pouco na prefeitura para enfrentar esse problema. A gente vai ter como regra, para a própria questão de proteção das pessoas, essa questão — disse o prefeito.


Em seguida, Maína explicou que os equipamentos já seriam instalados com a lente da câmera coberta por fita adesiva:


— Eles serão entregues com adesivo preto em cima da câmera. Se quiserem usar, tirem o adesivo. Se não quiserem usar não é obrigado a utilizar a câmera nem a biometria — disse na época.


O vídeo foi gravado em uma reunião com os operadores no dia 18 de outubro de 2023, na Ilha do Governador, quando o município apresentou os equipamentos. Os validadores seriam instalados nos meses seguintes. No mesmo mês houve outras reuniões, principalmente na Zona Oeste, onde o tema também foi abordado. Na Ilha, Paes fez críticas à política de segurança do Estado:


— O que está acontecendo no Rio hoje nesse momento vai ter consequências mais graves do que a gente está vendo — disse.


Pouco mais de um ano depois do encontro, a maioria optou por manter o adesivo que esconde a câmera, conforme relatos de vários motoristas sob a condição de anonimato.

Eles estimam em cerca de 850 o número de cabritinhos e vans com a câmera coberta.


— Hoje só os colegas que trabalham no cabritinho do Morro Tavares Bastos (Catete) se sentem seguros de usar a câmera ligada porque a comunidade é sede do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope) e o tráfico não é tão ostensivo — disse um operador.


Controle falho


Por amostragem, fiscais checam, pelo número de série, se o passageiro que viajou tem direito à gratuidade. Em caso de fraude, beneficiários podem ter os cartões bloqueados. Como o controle é deficiente, as fraudes são comuns, segundo motoristas.


Um motorista mostrou um extrato com relatório parcial de viagens. O documento indica que, em determinado dia, o validador foi usado 29 vezes, sendo que viagens pagas foram apenas oito. As demais foram identificadas como gratuitas.


— Preferi desligar o validador. A quem pergunta, digo que está com defeito.


Procurado, o prefeito não se manifestou. A secretária minimizou:


— Não me arrependo do que falei. A previsão da câmera está no contrato de concessão, independentemente de onde está instalada. Mas há uma realidade nas comunidades. E, comparativamente com todo o sistema da cidade, os cabritinhos e vans são uma pequena fração de toda a operação — disse Maína.


A secretária disse ainda não ter estatísticas sobre suspeitas de fraude no Jaé. Ela argumentou que os próprios operadores poderiam ajudar no controle, pois em cada veículo apenas dois assentos são reservados para gratuidades. O mesmo motorista que disse simular defeito no Jaé, faz uma ressalva:


— Nas kombis os validadores ficam no meio do veículo. Por isso, não tenho como parar o carro toda hora para checar se quem embarcou poderia mesmo viajar de graça — acrescentou.


Regulamentação


O controle de biometria facial no transporte público do Rio é regulamentado pela prefeitura desde 2019. Até o início da implantação do Jaé, o decreto exigia o equipamento apenas dos concessionários que operam as linhas de ônibus. Até hoje essa fiscalização nos coletivos, que operam pelo Riocard, ligada aos empresários, faz o monitoramento em tempo real.

Um software é empregado na comparação das fotos dos beneficiados pelas gratuidades com o usuário que faz o uso do cartão. Identificada a irregularidade, há uma outra checagem por um funcionário. A penalidade para o passageiro pode variar de advertência e suspensão ou perda do benefício. O recurso também é usado nas linhas intermunicipais e está em fase de implantação nas vans.

— Pelo modelo atual em que a prefeitura subsidia o transporte público, esse é mais um motivo para que qualquer fraude seja combatida. Se há evasão de receita quem paga é o contribuinte — avalia o engenheiro Marcus Quintella, professor da FGV Transportes.

O vereador Pedro Duarte (Novo), que fiscaliza a implantação do Jaé, também faz críticas à operação.

— A câmera seria uma forma de combater o crime organizado — defende.

O secretário de Segurança Pública, Victor Cesar dos Santos, disse que a prefeitura não relatou problemas com os validadores ou estado teria atuado. Ele diz que a dispensa das câmeras facilita fraudes.

— Não creio que traficantes paguem passagens de cabritinhos. Preferem motos pela facilidade em se deslocar, a menos que precisem fugir — diz.


Cobrança para circular


O novo modelo não eliminou outro problema crônico. Traficantes e milicianos cobram, em média, R$ 150 por semana para o transporte rodar nas favelas, relatam os motoristas. E em alguns bairros, o problema se estende aos carros por aplicativo e taxistas.


Só entre o ano passado e o dia 7 de janeiro de 2025, o Disque-Denúncia (2253-1177) recebeu 32 denúncias de extorsões praticadas pelo tráfico, na Ilha, contra profissionais que trabalham com carros aplicativo e contra motoristas de kombis e vans. Procurada, a Policia Civil disse que investiga a ação de grupos criminosos na região e que trabalha em conjunto com a PM para coibir a ação delituosa.


Em abril de 2024, o Ministério Público do Estado denunciou sete pessoas acusadas de extorquir motoristas de aplicativos, mototaxisistas e taxistas na Ilha do Governador.

Segundo a denúncia, traficantes do Dendê cobravam também R$ 150 por semana dos motoristas. Em 2017, a Polícia Civil descobriu que traficantes da mesma favela também extorquiam motoristas de Kombis e vans. Em três anos, faturaram R$ 27milhões.


O uso do Jaé no transporte público dos serviços municipal ainda é facultativo. Pelo menos até 1º de julho, nova data para que seja o único cartão aceito, o usuário que embarcar nos ônibus, vans, BRT e cabritinhos, modais da cidade, tem a opção de usar também o Riocard.

A prefeitura avalia uma proposta recebida pelo Consórcio Bilhete Digital, que opera o Jaé, para troca do controle acionário. E reclama da falta de informações por parte da Riocard.


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